Exposição Patrimônio Imaterial
- Lugar, Cotidiano e Existência
Quem sou eu

- Casa do Patrimônio Serra da Capivara
- A Casa do Patrimônio Serra da Capivara representa a incubadora de projetos interdisciplinares ligados a educação e preservação do patrimônio cultural, material e imaterial na Região Sudeste do Piauí, e esta ligada ao IPHAN em parceira com as universidades locais e as comunidades que vivem e produzem cultura no entorno do Parque Nacional Serra da Capivara.
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
Exposição Patrimônio Imaterial - Lugar, cotidiano e existência
Apresentação da Exposição
Esta exposição se empenhou em
registrar algumas das manifestações do patrimônio imaterial são-raimundense que
estão em processo de continuidade e modificação, natural aos movimentos de atualização
que os fluxos modernizadores apresentam.
A exposição ocorreu entre os dias
19 de agosto a 4 de setembro de 2015, no Centro Diocesano de São Raimundo
Nonato. Foi organizada pela Casa do Patrimônio Serra da Capivara, com a participação das seguintes instituições: IPHAN, UESPI, IFPI, UNIVASF, FUMDHAM e Fundação Sudeste do Piauí.
Categorias do Patrimônio Cultural Imaterial: Saberes e fazeres,
Celebrações, Lugares e Formas de Expressão
Saberes e Fazeres
Atividades desenvolvidas por
pessoas que são conhecedoras de técnicas e de matérias-primas que estão
associadas a grupo social ou uma localidade.
Os fazeres são consequências dos
saberes, é a realização efetiva da tradição, é quando pegamos o passado e o
trazemos para o presente, e unimos origem e criação.
Celebrações
Os ritos e festividades
associados à religião, à civilidade, aos ciclos do calendário são ocasiões que
reúnem as pessoas para praticar papeis sociais com regras muitos específicas,
acompanhados de comidas e bebidas, vestuário especial e ornamentação de
determinados lugares, acompanhados de músicas, orações e danças.
São atividades que produzem os
sentidos específicos de lugar e de território.
Lugares
São chamados de lugares as atividades
humanas realizadas em local específico e com sentido cultural para as pessoas
da comunidade.
São espaços apropriados por
práticas e atividades de natureza variada, tanto cotidiana quanto excepcionais,
tanto vernáculas quanto oficiais.
Formas de Expressão
Formas não-linguísticas de comunicação
associadas a determinado grupo social ou região, desenvolvidas por pessoas ou
grupos reconhecidos pela comunidade e em relação às quais o costume define
normas, expectativas, padrões de qualidade.
FONTE: IPHAN. Inventário Nacional
de Referências Culturais. Brasilia: Departamento de Identificação e
Documentação do IPHAN, 2000.
Seminário Patrimônio Imaterial - Lugar, Cotidiano e Existência
Seminário Patrimônio Imaterial - Lugar, Cotidiano
e Existência
Por iniciativa da Casa do Patrimônio Serra da Capivara e com a participação de pesquisadores da UESPI, UNIVASF, IFPI, IPHAN e com apoio da Fundação Sudeste do Piauí e do Centro Diocesano de São Raimundo Nonato, idealizou-se este seminário, que ocorreu entre os dias 17 e 19 de agosto de 2015 no auditório do Centro Diocesano de São Raimundo Nonato.
A Constituição Federal de 1988 é
o marco legislativo que inaugura o reconhecimento dos bens de natureza
imaterial como componente do Patrimônio Cultural Brasileiro por serem
portadores de referência à identidade e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira.
Para concretizar as inspirações
de nossa carta magna, o Decreto nº 3.551 de 04 de agosto de 2000 instituiu o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial no Brasil. O Estado assume,
assim, as tarefas do identificar, reconhecer, documentar e registrar saberes,
celebrações, lugares e formas de expressão vivenciadas pelos reais detentores
desses modos de existir que precisam de meios para continuar. Segue par-a-par
com o respeito à legitimidade das diferenças e a extraordinária riqueza da diversidade
cultural brasileira que é expressa pelo pensar, o criar, o fazer e o viver.
A Semana do Patrimônio instituída
pelo IPHAN e comemorada entre os dias 16 e 22 de agosto, celebra os 15 anos
desse importante instrumento legal.
Hoje, segundo dados do IPHAN, são
37 Bens Registrados em 15 anos de uma trajetória onde o poder da criação
(original) faz-se criação de poder (institucional), sob constante movimento, em
permanente interação, onde o respeito ao que nos antecedeu revitaliza o nosso
hoje.
Este panorama, quando trazido
para o contexto do semiárido piauiense, vê no ano de 2012 o município de São
Raimundo Nonato completar seus 100 anos de existência. Cidade em franca
expansão de sua área urbana, rapidamente tem seu patrimônio construído sendo
modificado em nome da modernização, fato que também altera as relações humanas
e os processos culturais.
O Seminário Patrimônio Imaterial
– Lugar, Cotidiano e Existência tratou de tudo e buscou registrar
algumas das manifestações do universo simbólico-cultural são-raimundense que
estão em processo de continuidade e modificação, natural aos movimentos de
atualização que os fluxos modernizadores apresentam.
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Lançamento do Novo Livro do Poeta Gênesis Naum de Farias
A Casa das Sete Luas
Gênesis Naum de Farias
Nas Ruas
do Velho Centro Comercial, por estes dias passeia a doce Salete, travestida
no seu fino xaile, doado por um
cliente caridoso, que amante da noite, tecia seu véu de ternura em galanteios
eloqüentes e muito decote. Porém, na rua, os últimos ruídos da noite, cada vez
mais distantes, armavam sua teia de ternura pelo tempo com a profusão dos
espíritos de uma rebeldia romântica e muito desnuda, ao febril e evasivo
tormento dos seus palácios.
Era aquela travesti do antigo cabaré Tombadim
do Mariano, bêbada e velha a
lembrar saudosa, seus belos dias nas épocas dos tempos, vaidosa que era no
romantismo das lembranças e das saudosas noites do sertão ribeirinho. Era ela,
bela e agradável a vista, tal qual um belo anjo estampado no frontispício de um
velho altar de igreja sorumbática.
Naquele bordel, mais conhecido como o Recreio da Lua Branca ou A
Casa das Sete Luas, um dia cantou noitadas, viveu feliz e amou a vida como
o último instante de sua jovialidade, mas entrou para a história, com os seus
sofrimentos, porque amou um nobre, falido; uma espécie de dândi contumaz, bem
generoso, que viajava sempre daqui pra li, sem cultivar da crítica citadina,
certa estima, por isso sofreu os dissabores nos dias de frio e solidão.
Seu jeito calmo contagiava a boemia da cidade dos impossíveis e imperava sua majestade por onde
passava. Era a sonhadora de um viver triste, mas sempre feliz em sua pequena
timidez, preferia o beijo esperado por muito tempo, porque lhe saciava a alma e
fazia-se valorizar no grande momento da ausente volúpia; de róseas face, de
dourada tez e olhos de ressaca, negros e embaçados que, com sua pureza, diziam
tudo e não dizia nada, mesmo sabendo que por onde passasse, sua linguagem e seu
cheiro, sofria a censura dos olhares provincianos do povo desta terra, mas
redimida e embelezada, oferecia-se em contemplações de abandono e má fé pelos
que de longe sussurravam seu velho e bom passado.
Sua sensualidade poética idealizou-se nas mesas da luxúria,
num parto imaginário, sem rumo nem reverso, transcrevendo a forma mais
alegórica do cotidiano de uma velha prostituta, do largo mais famoso e badalado
da Passagem de Joazeiro,
com suas amigas voluptuosas e seus deslumbrados fregueses, sejam eles poetas ou
homens ricos e donos do poder político. Na sua morada de perdição e sossego, o
pecado parecia não existir, pois seu cheiro, sua classe e o seu glamour povoavam o sonho febril dos donatários
destas terras e seus comércios. Ela era uma messalina, e o impressionante é
como os homens apreciam essa gente.
O lugar era povoado de muita sutileza, sabendo que além de
mulheres voluptuosas, seu largo recebia diariamente homens cultos, políticos e
toda uma gama de santos envolvidos pelo ar do mistério e anonimato ali presente
como ingredientes para boa conversa, traições, prevaricações e festas noturnas.
Entretanto, apesar do glamour,
aquelas mulheres representavam a verdadeira mazela produzida pelo progresso da
sociedade, com seus preconceitos entranhados no recalque social. No entanto,
aquele reduto boêmio abrigava metáforas vivas, pois retratava o pacto social,
envelhecido nas insanas hostilidades da época.
A Casa das Sete Luas retratava todo o abandono sofrido
pelas funcionárias voluptuosas e suas personagens clássicas advindas dos
palácios de antigas cidades portuárias. Salete, órfão de pai e filha da
cidadezinha mineira Santana dos Ferros, se perdeu de amor por um boêmio, desses
da chamada geração perdida, que intrigava a todos com o seu excesso de pudor ao
quebrar barreiras se apaixonar por aquelas musas a desnudar. A mesma chegou a
receber presentes de homens ricos e até propostas de casamento, mas dizia que
seu lugar era no Tombadim, porque figurava o insaciável desejo pelo prazer e a
boa vida oferecida pelos moradores bem dignos desta província.
A própria Salete dizia que era uma figura carregada de
significados simbólicos, devido à sua beleza, mas sabia que era amaldiçoada
pelas famílias puritanas, porém amada noite adentro pelos grandes donatários
destas cercanias, madrugadores em busca de prazeres nas camaradagens das noites
do Tombadim. Hoje Salete definitivamente assombra, assusta e se deslumbra com a
sua memória, pois troca encantos relembrando sua jovial e temperada época de
cabaré em cabaré, a dançar despudoradamente no seu deleite desvelado e
antipuritano; a sonhar, no seu portar magistral de pobrezas simples, em
fragmentados lençóis, com os amores turvos de sua mocidade, com o ouvido atento
aos boleros e as marchas de carnaval em lânguidos e dolências de desencontros,
escondidos na humildade e revelado na timidez de cenas quase cinematográficas,
através do mundo áspero e cruel do destino.
Sua vida marginal e apaixonada marca o tempo no rebento de
sua máscara, pois disfarçada de mulher no espaço das luas brancas e dos amores
distantes, passeia pelas ruas do nosso tempo como uma mulher bêbada e sofrida,
mas saúda o seu tempo na casa dos afetos, como o ponto fixo de sua existência,
que um dia sonhou violar com sua infância estelar no lugar mais mágico de sua
mocidade, impressos na sua
alma como o ponto cardial que nunca mais poderá voltar.
_______.
FARIAS, Gênesis Naum de. Lavoura de Insônias. – São Paulo: Scortecci, 2015. p. 170-172.
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